terça-feira, 8 de novembro de 2011

Viajar pelo maior rio do mundo é sentir a emoção de atravessar a mais importante das florestas tropicais. Há paisagens que não se vê em nenhum outro lugar. A equipe do Globo Repórter segue a bordo de uma lancha rápida; uma voadeira, como preferem os caboclos.
A quantidade de água que as nuvens despejam na Amazônia, no inverno, é três vezes maior que o volume do rio, segundo as pesquisas. Por isto, em toda viagem, a chuva é companheira quase inseparável. O caboclo costuma dizer o seguinte: no verão, chove todo dia. No inverno, chove o dia todo. Não é exagero. A chuva forte aparece e a equipe de reportagem se vê no meio de uma tempestade. Não dá para saber o que é rio e o que é céu. Subir o rio assim, nem pensar.
Na Amazônia peruana, a nossa equipe viaja rio abaixo com tempo bom e poucas nuvens. Alcançamos o rio Tambo. Em um trecho, ele atravessa uma região montanhosa. As margens são verdes e a água é barrenta.
Mas logo decidimos deixar o Tambo e ir a pé em busca de uma grande cachoeira. Seguimos o curso de um pequeno riacho que corre sobre as pedras. No calor da selva, aparece uma água limpa e bem fria em um local que é inteiramente preservado. Não há nenhum tipo de poluição nessa área da selva amazônica.
“A água está vindo de uma cachoeira. Ela vem da cachoeira Coari, uns cem metros de queda, e vai formar um dos afluentes do rio Tambo”, aponta o documentarista Pedro Werneck. Juntos, riachos formarão os grandes rios até chegar ao Oceano Atlântico. Mais adiante, deixamos o leito do riacho e seguimos pela mata. Tivemos que pegar um atalho pela selva. É possível que ninguém passe pelo local. Há uma cachoeira bem no meio do mato.
A sensação é de que estamos perdidos, mas, logo adiante, o esforço teve a sua recompensa. A queda d'água Coari é uma das mais belas do Peru. Escondida na selva, ela permanece protegida. Nem mesmo turistas vão até lá. O que não dava para imaginar é que toda a beleza teria um preço.
A equipe tem que passar a noite na margem do rio Tambo. Demorou mais do que o previsto na caminhada para filmar a cachoeira. As duas canoas são amarradas na beira do rio. Cortinas de plástico são feitas para a chuva não passar. O piloto está na rede para não ficar na cadeira. Os mosquitos atacam.
No dia seguinte, seguimos viagem até Atalaya, às margens do rio Tambo. Alguns quilômetros abaixo, reencontramos um dos muitos rios no roteiro da nossa travessia. O Urubamba encontra o Tambo e formam o Ucayali. É o encontro das águas em plena Amazônia peruana, um encontro tão importante quanto o do Solimões e do Rio Negro perto de Manaus, porque a partir daí forma-se o principal rio do Peru. Do alto dá para ver bem a diferença de cor das águas dos rios. São curiosos os encontros das águas ao longo dos quase sete mil quilômetros. O local onde as águas turvas do Tapajós alcançam o Amazonas chama a atenção.
Às margens do Tapajós, fomos conhecer uma cidade que guarda marcas de um passado de glória. A riqueza do ciclo da borracha escreveu no lugar um capítulo importante da história da Amazônia. É “a bela terra”, como batizou o seu idealizador, o empresário americano Henry Ford.
O sonho dele era produzir borracha no coração da floresta. O mundo precisava de pneus e a matéria prima estava lá. As construções têm telhados baixos, estilo chalé. As janelas são largas. O caboclo estranhou essa arquitetura, mas gostou de uma das ordens do milionário Henry Ford, a de plantar flores na soleira da porta. Essa herança ainda é preservada. Nas casas de Belterra, até hoje, belos jardins são cultivados. Flores ficam na entrada das casas, na principal praça da cidade. Belterra parece o cenário de um antigo filme americano. As velhas seringueiras ainda estão pelo lugar, com as cicatrizes de um sonho frustrado. Filho de um ex-funcionário da companhia, o aposentado Francisco Bezerra era criança nos tempos do progresso. Ele mostra a escola onde estudou. “Tinha uma vantagem. Quando os rapazes e as moças concluíam o curso primário. Aqui nesta escola, eles tinham o direito de escolher o local para trabalhar na companhia”, lembra Seu Francisco. Hoje restam poucos equipamentos da antiga usina de borracha. Muita coisa foi levada embora depois que a unidade brasileira foi fechada. Nos anos 1950, a borracha de seringueira começou a perder mercado para a borracha sintética feita de derivados de petróleo. “Isso era uma prensa de prensar a borracha que vem do seringueiro que o seringueiro colhe lá no mato”, conta Seu Francisco.
A maior dificuldade enfrentada pelo empreendimento de Henry Ford foi adaptar o caboclo da Amazônia à rotina rígida da fábrica. “Tinha que pegar o trabalho no horário certo. A hora que a sirene apitasse, ele baixava a enxada no chão. Se atrasasse cinco minutos para chegar no trabalho, o dia era cortado”, conta Seu Francisco. Mas do hospital, por exemplo, os caboclos não reclamavam. Era o melhor da região, muito acima dos padrões brasileiros. E de graça.
Mas nos registros da história de Belterra, há um episódio difícil de explicar. A cidade foi visitada por uma baleia. Ela saiu do Atlântico, entrou no Amazonas e foi nadando rio acima até o Tapajós, a mais de mil quilômetros de distância. “Que se tem notícia no mundo, é primeira vez que uma baleia chega a nadar esta quantia de quilômetros”, aponta Laurimar Legal, diretor do Museu de Santarém.

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