Das gotas de degelo, no alto da Cordilheira dos Andes, passando por riachos de águas cristalinas, até fontes de antigas civilizações incas, e metrópoles modernas no meio da selva.
Os repórteres Francisco José e José Raimundo vão refazer uma viagem que começou há seis milhões de anos, e que continua todos os dias no Rio Amazonas. A viagem das águas vai desde as nascentes até a foz do maior rio do mundo.
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O cânion do Rio Colca, nos Andes peruanos, é o mais profundo do planeta. Seus paredões chegam a 3.600 metros de altura. O Grand Canyon, nos Estados Unidos, é mais extenso, mas a fenda mais profunda da terra é a no Vale do Colca, é o lugar ideal para avistar o condor, ave símbolo de vários países latino-americanos. O gigante dos céus impõe respeito. A maior ave voadora do mundo pode ter mais de três metros de uma ponta a outra das asas.
A equipe está há quatro dias na Cordilheira dos Andes, no Peru, e dá mais uma parada para aclimatação à altitude. A 4.500 metros, a temperatura é de -4ºC. Um médico peruano aconselha caminhadas para que o corpo se acostume, aos poucos, à altitude.
Ele explica que, no alto da Cordilheira, não há tanto oxigênio e o coração precisa trabalhar mais, pois a pressão aumenta. No dia seguinte, a equipe sai antes do amanhecer para, finalmente, escalar a montanha onde estão as nascentes do Amazonas. Vão à encosta do Nevado Mismi, uma montanha que se eleva a 5.600 metros acima do nível do mar.
É verão, época de pouca chuva, mas o caminho é cheio de belezas naturais e dos animais da Cordilheira: alpacas, vicunhas e lhamas. À distância, está o Nevado Mismi, onde nasce o Rio Amazonas. E, ali, sua primeira ponte. No trecho, o repórter pode atravessar o maior rio do mundo, com dois passos, da margem direita para a margem esquerda. A quase 7 mil quilômetros de distância, na Foz do Amazonas, atravessar o rio não é tão fácil. São 279 quilômetros. Nem com binóculos dá para ver a margem do rio.
A ciência brasileira considera, hoje, a Foz do Amazonas toda a área que vai do arquipélago de Bailique, no Amapá, até a Foz do Rio Pará. A equipe navega entre o Amapá e a Ilha de Marajó.
A bordo de um barco de pesca, chega até o fim verdadeiro do Rio Amazonas no Oceano Atlântico, onde a água doce, finalmente, dá lugar à água salgada.
Toda a água barrenta vem de lá, é o rio que manda. É a prova de que o Amazonas vai empurrando o mar bem mais para frente. Não é nem salobra, nem sinal de sal. É água doce no meio do Atlântico.
Águas agitadas, barco balançando muito. Uma viagem sofrida para quem não está acostumado. Mas dá para suportar, no nível do mar. E nos Andes peruanos?
Francisco José relata que está a quase 5 mil metros de altitude e, no caminho, encontra antigos povoados abandonados.Poucos ainda têm coragem de viver por lá.
A fonte da Carhuasanta. A água que está jorrando da pedra vai para o Rio Amazonas, e é uma água pura, que está sendo filtrada pelo paredão. Ela vem de uma nascente principal.
Mesmo no verão, a pequena trilha some embaixo da neve. Os carros deixam o repórter em uma altitude de 1.200 metros de altitude. Ali, não pode andar rápido, pois você termina faltando ar. Estão levando oxigênio, mas espera-se que ninguém precise.
Subindo e descendo montanhas, finalmente, chega-se à principal nascente do Rio Amazonas: a Lagoa McIntyre. Ela tem este nome em homenagem a um dos seus descobridores, o expedicionário americano Loren McIntyre. O curso de um rio se mede pela distância da sua Foz até a sua nascente. E essa é a nascente mais distante e mais alta do Rio Amazonas.
O local é desértico, sem vida e sem vegetais. Em 2007, o documentarista Pedro Werneck e seus pais, Paula Saldanha e Roberto Werneck, organizaram a primeira expedição científica brasileira até a Lagoa McIntyre. “Cientistas de 16 países, que fizeram pesquisa por toda essa área, confirmaram que essa é a nascente mais alta e mais distante, perene o ano todo”, declara o documentarista.
O trabalho dos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) deu origem a uma grande descoberta. O Inpe tem a comprovação científica de que o Rio Amazonas é mais extenso do que o Nilo. Cientistas do Inpe mediram os dois rios, pelos métodos mais avançados, e concluíram que o Amazonas tem 140 quilômetros a mais do que o Nilo.
Os cálculos foram feitos com um programa desenvolvido pela agência espacial americana, a Nasa, a partir de imagens de satélite. “Nós utilizamos a vertente mais distante da boca do Amazonas, esta vertente que está lá no alto Apurimac, que vocês apresentaram no programa. Desta vertente até o Atlântico, o Amazonas chega a 6.992 quilômetros”, relata o geólogo Paulo Roberto Martini, do Inpe.
Até hoje, a maioria dos mapas escolares ainda mostra o antigo traçado do Rio Amazonas, tendo o Rio Maranon como o principal formador do Amazonas em território peruano. Segundo o Inpe, o novo percurso sai da Lagoa McIntyre, seguindo pelo Rio Apurimac e outros afluentes, até chegar ao Amazonas, em território brasileiro.
O maior rio do planeta nasce com tão pouca água, em uma pequena lagoa. Mas, e na Foz? Dá para avaliar a imensidão do Amazonas? Cerca de 17% de toda a água doce que vai para os oceanos no mundo são despejados na Foz do Amazonas. E os pesquisadores do Inpe já conseguiram determinar também a idade do rio. “O primeiro material que veio dos Andes, carregado pelo rio, foi datado em 6 milhões de anos. Esta é a idade que nós atribuímos à calha do Rio Amazonas”.
Nestes 6 milhões de anos, o rio já correu para o Oceano Pacífico, para o Caribe e, agora, deságua no Oceano Atlântico. Mas a água não se cansa de mudar o seu próprio caminho. As pequenas ilhas, quase perdidas entre o Amazonas e o Oceano Atlântico, estão em constante transformação. A equipe vai até Livramento, um dos povoados isolados.
O acúmulo de sedimentos mudou muito a paisagem do vilarejo de Livramento. A água do Amazonas não se espalhava tanto porque o rio corria dentro da calha e a profundidade passava de 15 metros. A ilha, mais adiante, não existia. Surgiu nos últimos 20 anos. Na maré baixa, duas vezes por dia, a pequena localidade fica isolada. Não tem estradas, nem pontes. O socorro mais próximo fica a duas horas de barco do local. “O Rio Amazonas é vida pura. Ele vai procurar sempre a cota mais baixa para se movimentar. E se para isso ele precisar esculpir de um lado e depositar no outro, ele vai fazer isso. É o caminho natural do rio”.
Na Ilha do Parazinho, os dois fenômenos andam juntos. A ilha muda de lugar o tempo todo. Há dois anos, a mata chegava a certo ponto. Agora ela está a mais de 100 metros adiante. Mas se de um lado, a ilha encolhe, do outro ela cresce em uma velocidade muito maior. “Ela tinha uma área muito maior, 111 hectares e, hoje, tem 707 hectares”, relata um morador. É o Amazonas virando floresta. A floresta virando mar.
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