As Primeiras Mudas
O imigrante italiano, afeiçoado à viticultura por tradição e por vocação, obrigatoriamente viria a cultivar a videira em sua terra, como já o haviam feito os imigrantes que se estabeleceram em outras regiões da América e da Ásia. O colono italiano, recém chegado em 1875, ainda não tinha as mudas de videiras para iniciar o cultivo nas terras que foi desbravando, em substituição às florestas que foram derrubadas. Foi somente ao descer a serra para São Sebastião do Caí e Montenegro para levar seus produtos e buscar suprimentos que tomou contato com as videiras (variedade Isabel) que os agricultores alemães cultivavam há algum tempo para seu próprio consumo.
Os imigrantes alemães também eram viticultores
De 1824, ano de início da colonização alemã, até 1875, início da chegada dos italianos na serra, a uva foi cultivada pelos imigrantes alemães na região de São Leopoldo e levada por eles até Montenegro, São Sebastião do Caí, Bom Princípio e Feliz, entre outros povoados. Há registros de que em 1825, um ano após a chegada dos imigrantes alemães, o cidadão João Batista Orsi chegou à região com uma carta autografada por Dom Pedro I incentivando o cultivo da vinha, juntamente com as primeiras mudas. A produção da uva nesta região bem como a produção de vinho, no entanto, limitaram-se ao consumo doméstico.
Origem da Uva no Rio Grande do Sul
O Rio Grande do Sul faz parte do complexo histórico da vitivinicultura hispano-americana por ter raízes históricas situadas ora do lado espanhol, ora do lado português. Por volta de 1626 teria sido o padre jesuíta Roque Gonzáles de Santa Cruz o precursor e pioneiro da vitivinicultura rio-grandense. Ele, ao fundar a Redução Cristã de San Nicolao na margem esquerda do rio Uruguai (Região dos Sete Povos das Missões), trouxe cepas de origem espanhola. Pode-se constatar, nesta época, a trajetória do desenvolvimento da vitivinicultura paralela ou sobreposta aos caminhos da marcha da Igreja Católica. Em 1737 ocorreu a imigração dos açorianos ao litoral gaúcho. Lá eles fundaram Porto Alegre e disseminaram as vinhas portuguesas, originadas da Ilha dos Açores e Madeira. Esse cultivo, apesar de feito através de fixação dos colonos para o povoamento na zona litorânea, não foi de grande expressão. Essas foram as duas regiões bem distintas e as duas origens da Vitis Vinífera na história da vitivinicultura gaúcha até o ano de 1800.
As Primeiras Variedades de Uvas no Rio Grande do Sul
A viticultura tornou-se expressiva com a introdução de uvas americanas, particularmente a Isabel. Por onde se expandia, por exuberância, resistência e produtividade, a Isabel ia desestimulando e substituindo os poucos vinhedos de viníferas européias que ainda existiam. Foi entre os anos de 1839 e 1842 que a uva americana - principalmente a Isabel - foi introduzida no Rio Grande do Sul. Teria sido o cidadão gaúcho Marques Lisboa a remeter os bacelos dessa variedade, de Washington, ao comerciante Thomas Messiter, que com eles plantou os primeiros vinhedos na Ilha dos Marinheiros, tornando-se assim o iniciador do cultivo da uva Isabel no Estado.
O cultivo da videira Isabel tomou expressão acentuada após a chegada dos imigrantes italianos aos altos da Serra, a partir de 1875. No início, cultivavam apenas para o consumo da família. Por volta de 1890 o êxito dessa variedade era tão surpreendente que os colonos iniciaram a comercialização do vinho Isabel para a capital do Estado e outras cidades. O transporte era feito em lombo de burro, alojado em dois barris de 40 litros cada, colocados um de cada lado do animal. As filas de 10 ou 12 animais percorriam a distância entre a propriedade rural até os pequenos núcleos ou povoados onde havia uma casa de comércio ou armazém colonial. O colono negociava seus produtos por troca. Trocava o vinho (além dos demais produtos rurais como: queijo, porcos, feijão, trigo, etc.) por café, açúcar, tecidos, querosene e ferramentas agrícolas. Quando chegava à casa do negociante, o vinho era transferido do barril em que vinha sendo transportado no lombo do burro para uma pipa. O barril em que era transportado tinha formato próprio e adequado à viagem e deveria retornar ao produtor. Não raro o vinho encontrava-se em condições sanitárias deficientes devido à precariedade de condições de produção e transporte.
Do negociante até os centros de consumo locais – Porto Alegre, São Sebastião do Caí, Montenegro, São Leopoldo – o vinho era transportado, às vezes, em carretões puxados por mulas, que enfrentavam os precários caminhos e intempéries por dias a fio para chegar ao destino. Daí surge a figura épica do carreteiro que conduzia as duplas de animais puxando enormes e pesadas carretas percorrendo a íngreme serra gaúcha, que tão bem identifica a origem da colonização de Bento Gonçalves e cidades vizinhas. Outras vezes o vinho era transportado em lombo de burros, formando longas filas de animais até o destino. Para Porto Alegre, têm-se notícias de que os primeiros embarques ocorreram em 1884.
O progresso da Vitivinicultura e da Região
A partir do momento em que se iniciou o comércio do vinho surgiu a figura do tanoeiro, o construtor dos barris. Além de bastante habilidade, o tanoeiro também devia apresentar muita força física. Gradativamente as tanoarias se multiplicaram para comportar a produção e o comércio do vinho. A abertura de estradas tem franca expansão na primeira década de 1900. Em 1908 surge a estrada Buarque de Macedo, uma importante ligação entre Montenegro e Lagoa Vermelha, passando por Garibaldi, Bento Gonçalves, Alfredo Chaves (Veranópolis) e Nova Prata. Muitos quilômetros de estradas municipais também foram abertos nessa época em toda a região. Entre 1900 e 1910 inicia o transportes em carretas entre as regiões de consumo. Em 1898 acontece a primeira grande expedição de comercialização e transporte do vinho gaúcho em direção aos mercados do centro do país. Antônio Pierucini, agricultor natural de Luca (Itália) empreende a grande aventura de conduzir o carregamento do vinho da serra em lombos de burros até São Simão, interior de São Paulo. Dois anos depois, Abramo Éberle, natural de Vicenza (Itália) arrisca-se na longa viagem e chega com o primeiro carregamento de vinho à capital paulista. Ambos conseguem vender todo o lote. Desta forma, iniciou-se uma nova fase no progresso da colônia italiana, que passaria a fornecer vinhos aos outros Estados. A vitivinicultura tomou grande impulso com a ligação ferroviária de Montenegro a Caxias do Sul, concluída em 1910. A área plantada foi expandida e a produção de vinho foi elevada, seguindo de trem até Porto Alegre.
O Vinho dos Colonos Italianos
O plantio dos pequenos vinhedos de cada família era feito em terreno já cultivado ou logo após o desmatamento. A fertilidade do solo virgem, a umidade e o sol quente do verão da serra, aliados ao vigor natural da videira Isabel, faziam as plantas crescerem admiravelmente, com longos galhos e enormes folhas robustas. A frutificação era abundante. O entusiasmo era muito grande e, seguramente, a videira foi o bálsamo e o reencontro do imigrante com a sua terra de origem. Uma nova e promissora cultura se apresentava para manter a alegria e coragem e refazer as energias dos desbravadores da região.
Com o aumento das famílias, a melhoria das condições de vida e o desenvolvimento da promissora cultura da videira, tornou-se necessária e possível a construção de novas casas, com o maior espaço e mais comodidade. Aí surgem as casas com porão e algumas com sótão. O porão teve como uma das causas preponderantes do seu surgimento a elaboração, envelhecimento e guarda do vinho nas pipas, o qual deveria durar e abastecer o consumo da família até a colheita do ano seguinte.
O processo de Fabricação
A uva era colhida em balaios feitos com cipó e esmagada com os pés. A fermentação se processava em pipas de madeira instaladas no porão da casa, onde todas as operações de vinificação eram feitas pela própria família. Logo após o esmagamento da uva, o mosto doce era bebido por todos. Na época também era muito habitual comer-se o pão molhado nesse mosto. Não eram raras as reuniões de famílias, especialmente no dia 6 de janeiro, para comemorar a festa do pão e do vinho, aproveitando o mosto obtido das uvas mais precoces. Fermentado, o mosto era transformado em vinho, quase todo ele tinto, de uva Isabel, e consumido já nos meses de abril e maio, devendo durar até a próxima colheita. O imigrante havia encontrado finalmente um fator importante e decisivo para sua fixação e adoção definitiva da nova Pátria. Uma vez mais a vitivinicultura evidenciava-se como elemento de fixação do homem a uma região, por ser ela um componente da civilização humana ligado à cultura e com características universais.
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