quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A História do Rio Grande do Sul Parte III

Revolução Farroupilha
Em 1835 seria a vez da Revolução Farroupilha, um dos mais dramáticos e sangrentos episódios da história gaúcha, que durou dez anos e onde morreram de 3 a 5 mil pessoas. Explodiu a revolta como consequência do declínio na economia estadual, em virtude da sobretaxa do charque, a base da economia, mais o excesso de outros impostos, a ineficiência do governo da Província e sucessivas perdas agrícolas por pragas naturais e calote oficial. Na onda de insatisfação contra o governo imperial, a quem culpavam de fazer uma política nefasta ao estado, em 20 de setembro de 1835 rebeldes em Porto Alegre puseram a fugir o presidente da Província, tomando a cidade. Logo o movimento adquiriu feição separatista e republicana. A reação do governo central não tardou. Porto Alegre foi recapturada logo mas o interior deu sérios trabalhos aos imperiais até que em 1845, quando comandados pelo Visconde de Caxias, prevaleceram, e foi assinada a Paz do Poncho Verde, quando foi dada uma anistia geral aos revoltosos, pagas indenizações aos chefes militares e libertos os escravos sobreviventes que haviam lutado.
Em determinado momento esta revolta, que chegou a resultar na proclamação da efêmera República Rio-Grandense e dominar cerca de metade do estado, propagando-se até Santa Catarina, mobilizou dois terços da força militar nacional, enviada para sufocá-la. Nesse intervalo a economia da província, já fragilizada, entrou em colapso. Mesmo tendo decretado medidas para melhoria no setor produtivo, os revolucionários nunca conseguiram organizar de fato a administração da sua nova República, e os governantes imperiais não tiveram melhor sucesso, sucedendo-se 19 deles em apenas dez anos. Apesar da derrota final dos farroupilhas, a guerra serviu para acentuar o espírito regionalista com a consolidação do poder dos estancieiros, alterou o equilíbrio de forças nas relações do Rio Grande do Sul com o Império e se transformou num símbolo de identidade na construção da memória do estado.
Crescimento e novos conflitos
Ainda que gravemente traumatizado pela guerra, com suas perdas humanas e materiais e suas rupturas nas redes de confiança mútua que cimentam a vida em sociedade, a recuperação do estado foi bastante rápida. A situação nacional era favorável. O governo de Dom Pedro II pela primeira vez trabalhava em superávit, e o monarca desejava pacificar os ânimos locais. Com a restauração das instituições incentivou-se a instalação de Câmaras em várias cidades e a administração da justiça se normalizou. As maiores urbanizações receberam verbas para melhorar a infraestrutura e os serviços públicos, a lagoa dos Patos foi sinalizada, se formaram várias associações de comerciantes e produtores, novas levas de imigrantes alemães foram chegando, a mineração do carvão se desenvolvia e já se pensava em estradas de ferro para escoar a produção estadual e circular pessoas. Em 1851 o estado recebeu um desenho muito próximo do atual, com a retificação das fronteiras com a República do Uruguai. Em 1854 já havia condições de se fundar o primeiro banco regional, o Banco da Província.
A repercussão cultural desse surto de progresso também foi significativa. Em 1858 Porto Alegre inaugurava uma grande casa de ópera, o Theatro São Pedro, decorado com grande riqueza. Os saraus literários se tornavam uma moda, e na capital se fundava em 1868 a Sociedade Parthenon Litterario, reunindo a nata da intelectualidade gaúcha. Nesse círculo brilharam os primeiros literatos, educadores, políticos, doutores, artistas e poetas de vulto do estado, como Luciana de Abreu, Caldre e Fião, Múcio Teixeira, Apolinário Porto Alegre, Carlos von Koseritz e vários outros.
A instalação dos novos imigrantes alemães, que continuavam a chegar, porém, se fazia com mais dificuldade. Mudanças nas leis estaduais tornaram a aquisição de terra onerosa para os colonos e impuseram uma hipoteca compulsória sobre as terras até sua quitação, e iniciativas privadas de atração de novos alemães nem sempre foram coroadas de sucesso. Também se registraram confrontos sangrentos com remanescentes dos povos indígenas nas áreas desbravadas, e eventos de violência entre os próprios alemães, como a Revolta dos Muckers, de caráter messiânico. Mesmo assim, a colonização como um todo prosperou, trouxe as culturas da batata, dos cítricos, do fumo, introduziu a cerveja, promoveu a industrialização, o artesanato, a educação privada e a policultura, e fundou uma série de outras cidades, como Estrela, São Gabriel, Taquara, Teutônia e Santa Cruz do Sul, que logo veio a ser o maior pólo produtor de fumo. Além disso os alemães logo se organizaram em sociedades culturais onde se praticava música erudita e se encenavam peças de teatro, e se notabilizaram por sua luta pela liberdade religiosa e pela abolição da escravatura.
Em 1864, nova guerra. Desta feita contra o Paraguai. O Brasil fora invadido por Solano Lopez e o estado enviou mais de dez mil homens para a frente de batalha. A Guerra do Paraguai afetou diretamente apenas três cidades gaúchas: São Borja, Itaqui e Uruguaiana, que foram atacadas várias vezes, mas depois de um ano o conflito direto se moveu para outros locais, e o estado como um todo foi relativamente pouco abalado. Mas graças à atuação destacada do gaúcho General Osório no conflito, o prestígio do estado cresceu sensivelmente. Ele foi um dos fundadores do Partido Liberal no estado, que iniciou a partir de 1872 uma marcha ascendente até enfim dominar a situação política gaúcha. Com sua morte abriu-se espaço para outra personalidade brilhante, o de início liberal mas depois monarquista Gaspar da Silveira Martins, criador do jornal A Reforma e ocupante de vários cargos públicos, incluindo o de Presidente da Província. Ele seria chamado de "o dono do Rio Grande", tal sua influência.
A partir de 1874 o trem já circulava entre a capital e São Leopoldo, dando a partida para a modernização dos meios de transporte no Rio Grande do Sul. O ando de 1875 também foi um ano importante, pois começaram a chegar as primeiras levas de imigrantes da Itália, em novo projeto oficial de colonização, ora da Serra do Nordeste, ao norte da área ocupada pelos alemães. Apesar das previsíveis dificuldades de instalação numa região ainda totalmente virgem, e do limitado apoio governamental aos colonos, o empreendimento foi exitoso, e até o final do século chegariam ao estado cerca de 84 mil italianos, sem contar grupos menores de judeus, polacos, austríacos e outras etnias. Através dessa nova onda imigratória se fundaram cidades como Caxias do Sul, Antônio Prado, Nova Pádua, Bento Gonçalves, Nova Trento e Garibaldi, e se introduziram produções novas como a uva, os embutidos e o vinho. Como acontecera com os alemães, criou-se uma cultura regional muito próspera e muito característica, até com dialeto, hábitos e arquitetura próprios. O estado atravessava uma fase de real florescimento, já havia cerca de 100 indústrias em atividade no estado, que evoluíram a partir de artesanatos e manufaturas, e em 1875 a sociedade se sentiu capaz de exibir publicamente o resultado de seu esforço numa primeira exposição geral, montada no Arsenal de Guerra de Porto Alegre. No catálogo da mostra constavam 558 produtos, desde roupas, maquinário pesado e instrumentos de precisão até relógios e obras de arte. O evento foi um sucesso absoluto, saudado como "um festim do trabalho" pela imprensa da época.
Mesmo com o crescimento de várias cidades, principalmente Porto Alegre, Pelotas ainda ocupava a posição de predomínio econômico no estado, quando o ciclo do charque entrava em seu apogeu. Cerca de 300 mil reses eram abatidas anualmente nas charqueadas da região, gerando grandes lucros para a elite local. O charque se transformava em pinturas, louças finas, roupas da última moda francesa, cristais, móveis de luxo, casas elegantes. Nos jornais os cronistas se orgulhavam de em sua cidade nem um único edifício público ter sido pago pelo governo estadual, sendo tudo financiado pelos locais. Em visita à cidade, o Conde D'Eu observou:
"É Pelotas a cidade predileta do que eu chamo de aristocracia rio-grandense. Aqui é que o estancieiro, o gaúcho cansado de criar bois e domar cavalos no interior da Campanha, vem gozar as onças e os patacões que ajuntou em tal mister".
Com a derrota dos rebeldes em 1895, Júlio de Castilhos concentrou em si o controle absoluto do estado. A oposição se viu completamente desarticulada e os principais líderes dos revoltosos ou estavam mortos ou partiram para o exílio, sendo acompanhados por cerca de 10 mil correligionários. Então se iniciou uma longa dinastia política que iria governar o estado por décadas, e influenciaria todo o Brasil através de um de seus discípulos, Getúlio Vargas. Castilhos controlava toda a máquina administrativa estadual através de uma rede de subordinados fiéis, interferindo diretamente na vida dos municípios. Adepto entusiasta do Positivismo, orientou sua administração por suas idéias de ordem, moralidade, civilização e progresso, mas dava pouco valor ao voto, sendo repetidamente acusado de fraudar as eleições. Era visto por seu círculo como um iluminado, e mesmo exercendo um poder ditatorial, relevou antigas ofensas e não perseguiu seus desafetos, nem obstruiu o trabalho da imprensa, permitindo considerável liberdade de expressão. Seu governo foi elogiado até por seus oponentes, como Venceslau Escobar, que admirou-se de sua "largueza de descortino, realizando e projetando medidas progressistas". De fato com ele o estado entrou definitivamente na modernidade, atualizando uma herança administrativa colonial obsoleta que até então fora baseada mais no improviso. Sua primeira preocupação foi reorganizar a Justiça, os transportes e as comunicações. Apoiou os imigrantes e fomentou o desenvolvimento do interior. Em 1898 deixou o governo assegurando a continuidade do seu programa através da eleição de Borges de Medeiros num pleito sem adversários.

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